quinta-feira, 4 de março de 2010

Chacrinha - Clarice Lispector

De tanto falarem em Chacrinha, liguei a televisão para seu programa que me pareceu durar mais que uma hora.

E fiquei pasma. Dizem-me que esse programa é atualmente o mais popular. Mas como? O homem tem qualquer coisa de doido, e estou usando a palavra doido no seu verdadeiro sentido. O auditório também cheio. É um programa de calouros, pelo menos o que eu vi. Ocupa a chamada hora nobre da televisão. O homem se veste com roupas loucas, o calouro apresenta o seu número e, se não agrada, a buzina do Chacrinha funciona, despedindo-o. Além do mais, Chacrinha tem algo de sádico: sente-se o prazer que tem em usar a buzina. E suas gracinhas se repetem a todo o instante — falta-lhe imaginação ou ele é obcecado.

E os calouros? Como é deprimente. São de todas as idades. E em todas as idades vê-se a ânsia de aparecer, de se mostrar, de se tornar famoso, mesmo à custa do ridículo ou da humilhação. Vêm velhos até de setenta anos. Com exceções, os calouros são de origem humilde, têm ar de subnutridos. E o auditório aplaude. Há prêmios em dinheiro para os que acertarem através de cartas o número de buzinadas que Chacrinha dará; pelo menos foi assim no programa que vi. Será pela possibilidade da sorte de ganhar dinheiro, como em loteria, que o programa tem tal popularidade? Ou será por pobreza de espírito de nosso povo? Ou será que os telespectadores têm em si um pouco de sadismo que se compraz no sadismo de Chacrinha?

Não entendo. Nossa televisão, com exceções, é pobre, além de superlotada de anúncios. Mas Chacrinha foi demais. Simplesmente não entendi o fenômeno. E fiquei triste, decepcionada: eu quereria um povo mais exigente.

Clarice Lispector, em crônica publicada em 1967 pelo Jornal do Brasil,
A descoberta do mundo, ed. Rocco.

O mais interessante desse texto é o fato de ser original e atual. Original porque Clarice é uma autora incrível mesmo escrevendo sobre temas cotidianos. Atual porque a crítica que ela faz à televisão é a mesma que lemos e vemos hoje, feita tanto pelo público como pelos intelectuais de nossa época.
Eu amo televisão, mas faço minha crítica e acho que não vale (é covarde) se aproveitar da miséria alheia e da ignorância (falta de escolaridade mesmo) das pessoas. 

 

3 comentários:

  1. Falta exatamente educação, caráter, uma maneira de viver concreta, hoje as pessoas são induzidas a vários tipos de situações, induzidas pelos anúncios publicitário, e quem não tem uma idéia formada, é levada pelo o que dizem, ou pelo o que os outros acham certo.

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  2. Sadismo é esse o nome mais apropriado fico revoltada ao ver que a partir daí a televisão brasileira começou a entrar em decadência e na maioria dos programas que vemos hoje não passam de uma imitação do programa do chacrinha como ele mesmo dizia: "na televisão nada se cria, tudo se copia"... pois é, vemos um pouco do sadismo espalhado e só para quem percebe escondido por trás de coisas que parecem simples aos olhos de quem não tem a própria opinião ou de quem deixou a tv formá-la...

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