terça-feira, 16 de março de 2010

Leitura e comentário

Crise e literatura

A palavra escrita reconquistou um espaço avassalador no ambiente da vida. Hoje parece que tudo provoca curiosamente uma compulsão de ler e escrever.

Cristovão Tezza

 Uma velha pergunta: o que leva alguém a es­­crever? Parece que es­­crever é sempre a manifestação de uma crise. Talvez seja preciso inverter a equação, da crise mundial (como todas, em todos os tempos, e essa não foi sequer a pior), para a crise da literatura, hoje quase um patinho feio da cultura. E penso que nem de longe ela voltará à glória com que explodiu no século 19, quando se criaram enfim as suas condições modernas – o leitor, o la­­zer, o império da escrita, a circulação espetacular do livro, a valorização do indivíduo e a sem­­pre importante separação política entre Igreja e Estado, mar­ca registrada do Ocidente (sem essa separação crucial, aban­­donemos toda esperança).

Por um bom tempo a literatura foi a arena em que se discutiam, pela simples representação ficcional do mundo, praticamente todos os grandes temas das humanidades. Leia-se Dos­­toiévski, Dickens, Tolstói, Bal­­zac, e é isso que se encontra. Mas a ficção foi perdendo terreno para outros meios da cultura po­­pular, começando pelo cinema, avançando pela televisão e hoje chegando à internet (o que é outro momento e outra história). A primeira “vítima” (se é lícito falar assim) desse avanço foi o tempo de lazer – ingrediente indispensável de quem lê – agora repartido entre mil outras atividades, quem sabe muito mais atraentes, cantos da sereia tecnológica que ao mesmo tempo colocou o mundo inteiro à disposição e nos tirou a paz e as condições de desfrutá-lo. Não tenho nada contra os novos meios, é bom deixar claro. Escrevo esse texto num computador de última geração, sou viciado em Google e me encanta o infinito potencial informativo desses novos tempos – não sofro de nenhuma nostalgia da máquina de escrever.

O que me interessa é localizar o espaço da literatura que restou nesse mundo novo. Não vou falar em “função” da literatura porque isso seria lhe dar uma direção e um sentido a priori; melhor pensar em “espaço” mesmo, o lugar em que ela surge, cria forma e se move. Pelo menos num ponto, estamos melhor do que há 30 anos: da era da televisão, um lugar de pura oralidade, passamos à internet, que é basicamente escrita. Sem­­pre bato nessa tecla: a palavra escrita reconquistou um espaço avassalador no ambiente da vi­­da. Hoje parece que tudo provoca curiosamente uma compulsão de ler e escrever.

Certo, todas são palavras “prag­­máticas” – nesse mundo de utilidades, o escritor respira em solidão, afirmando uma contra palavra. Não é a crise do mundo que faz nascer romancistas e poetas. Eles escrevem porque são eles mesmos que estão em crise – um poderoso sentimento de inadequação, que é a alma da arte, sopra-lhes a primeira palavra, com a qual eles tentam redesenhar o mundo.

sábado, 6 de março de 2010

Muito legal esse site!

 
Site da Discovery sobre a evolução da internet. 
Essa roda é interativa, a gente vai clicando nos anos e descobrindo quais foram as novidades e evoluções.
Clique aqui.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Chacrinha - Clarice Lispector

De tanto falarem em Chacrinha, liguei a televisão para seu programa que me pareceu durar mais que uma hora.

E fiquei pasma. Dizem-me que esse programa é atualmente o mais popular. Mas como? O homem tem qualquer coisa de doido, e estou usando a palavra doido no seu verdadeiro sentido. O auditório também cheio. É um programa de calouros, pelo menos o que eu vi. Ocupa a chamada hora nobre da televisão. O homem se veste com roupas loucas, o calouro apresenta o seu número e, se não agrada, a buzina do Chacrinha funciona, despedindo-o. Além do mais, Chacrinha tem algo de sádico: sente-se o prazer que tem em usar a buzina. E suas gracinhas se repetem a todo o instante — falta-lhe imaginação ou ele é obcecado.

E os calouros? Como é deprimente. São de todas as idades. E em todas as idades vê-se a ânsia de aparecer, de se mostrar, de se tornar famoso, mesmo à custa do ridículo ou da humilhação. Vêm velhos até de setenta anos. Com exceções, os calouros são de origem humilde, têm ar de subnutridos. E o auditório aplaude. Há prêmios em dinheiro para os que acertarem através de cartas o número de buzinadas que Chacrinha dará; pelo menos foi assim no programa que vi. Será pela possibilidade da sorte de ganhar dinheiro, como em loteria, que o programa tem tal popularidade? Ou será por pobreza de espírito de nosso povo? Ou será que os telespectadores têm em si um pouco de sadismo que se compraz no sadismo de Chacrinha?

Não entendo. Nossa televisão, com exceções, é pobre, além de superlotada de anúncios. Mas Chacrinha foi demais. Simplesmente não entendi o fenômeno. E fiquei triste, decepcionada: eu quereria um povo mais exigente.

Clarice Lispector, em crônica publicada em 1967 pelo Jornal do Brasil,
A descoberta do mundo, ed. Rocco.

O mais interessante desse texto é o fato de ser original e atual. Original porque Clarice é uma autora incrível mesmo escrevendo sobre temas cotidianos. Atual porque a crítica que ela faz à televisão é a mesma que lemos e vemos hoje, feita tanto pelo público como pelos intelectuais de nossa época.
Eu amo televisão, mas faço minha crítica e acho que não vale (é covarde) se aproveitar da miséria alheia e da ignorância (falta de escolaridade mesmo) das pessoas.